Flash normativo – Responsabilidade penal de gerentes e administradores

No âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção, a terminar o ano transato foi publicada a Lei n.94/2021 – Diário da República n.º 245/2021, Série I de 2021-12-21. Esta lei, conforme tivemos oportunidade de assinalar em flashes normativos anteriores, introduz importantes alterações legislativas, em matéria penal, em vários diplomas.

No presente Flash Normativo iremos destacar as alterações efetuadas ao Código das Sociedades Comerciais (CSC) no âmbito da responsabilidade penal dos gerentes e administradores de sociedades, matéria que assume especial relevância quer para os sócios ou acionistas de tais entidades, como para quem é designado para exercer um desses cargos.

A este respeito, diga-se que se a administração e a representação de sociedades sempre envolveram grandes responsabilidades, a decisão de ser gerente ou administrador de uma sociedade, cada vez menos, deve ser tomada de ânimo leve.

Razão pela qual têm vindo a surgir disposições, como as introduzidas pelo DL n. 109-D/2021, de 09/12, que impõem, para efeitos de registo da designação de gerentes ou administradores, a obrigação de apresentar documento comprovativo da designação e, quando deste não constem, uma declaração expressa de aceitação da designação por parte do gerente ou administrador designado, as quais analisámos em maior detalhe no Flash Normativo de 28 de Dezembro de 2021.

Não é novidade que os membros de órgãos da administração de sociedades devem observar deveres fundamentais de cuidado, diligência, lealdade e ponderação no exercício do cargo e que serão responsáveis perante a sociedade, os respetivos sócios e, inclusivamente, perante terceiros, em caso de incumprimento dos seus deveres legais ou contratuais, salvo se provarem que procederam sem culpa.

Sem prejuízo, e no âmbito da responsabilidade penal, as alterações ora introduzidas ao CSC consistem, substancialmente, na atualização das penas que podem ser aplicadas aos gerentes ou administradores, pela prática de crimes que o legislador considerou como tendo “relevância direta com o fenómeno da corrupção”.

De facto, com exceção da criminalização da escrituração adulterada ou fraudulenta, através do aditamento de um novo artigo ao CSC – Artigo 519 sob a epígrafe “Apresentação de contas adulteradas ou fraudulentas”, as restantes condutas criminosas já se encontravam tipificadas nesse Código, mas eram punidas com penas leves, ou “manifestamente irrisórias” como foram apelidadas na “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção 2020 – 2024” do Governo de Portugal, justificando-se, assim, a intervenção corretiva na respetiva punição.

De entre os crimes onde se verifica tal agravamento nas penas aplicáveis, destacam-se os seguintes: (i) falta de cobrança de entradas de capital (artigo 509 do CSC); (ii) aquisição ilícita de quotas ou ações próprias (artigo 510 do CSC); amortização de quota não liberada (artigo 511 do CSC); amortização ilícita de quota dada em penhor ou que seja objeto de usufruto (artigo 512 do CSC); distribuição ilícita de bens da sociedade (artigo 514 do CSC); irregularidade na convocação, perturbação ou participação fraudulenta em assembleias sociais (artigos 515, 516 e 517 do CSC); recusa ilícita de prestar informações, bem como a prestação de informações falsas (artigos 518 e 519 do CSC); impedimento de fiscalização da sociedade (artigo 522 do CSC); e a violação do dever de convocar ou requerer a convocação de assembleia geral em caso de perda grave do capital social (artigo 523 do CSC).

Nestes crimes não só se agravam os limites das penas de multa aplicáveis, como se introduz a pena de prisão como sanção aplicável aos respetivos agentes.

Assim, a partir da entrada em vigor destas alterações, que ocorrerá já no próximo dia 21 de março de 2022, os gerentes e administradores de sociedades condenados pela prática de algum destes crimes, arriscam-se a ser punidos criminalmente com penas de prisão que, em determinados casos, podem ir até 3 anos.

Outra alteração importante que esta Lei vem introduzir é a punição da tentativa em todos os factos descritos no Título VII do CSC, quando, até à data, tais factos só eram puníveis quando cometidos com dolo, exceto quando aos mesmos pudesse ser cominada pena de prisão ou pena de prisão e pena de multa – única situação onde a tentativa era punível na redação anterior.

Relativamente aos ilícitos de mera ordenação social, as alterações introduzidas por esta Lei limitam-se à adaptação da redação destas disposições à realidade atual da orgânica administrativa, sendo entidades competentes para organizar o processo e decidir sobre a aplicação de eventuais coimas, o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN) a par do Conservador do Registo Comercial da Conservatória situada no concelho da área da sede da sociedade, revertendo o produto das coimas para o IRN.

Concluímos constatando que se impõem cada vez mais elevados padrões comportamentais às pessoas a quem incumbe a administração e a representação de sociedades e que, como tal, a designação, e a correspondente aceitação, do cargo de gerente ou administrador de determinada sociedade, são decisões que devem merecer especial ponderação e cuidado.

Para informação mais detalhada acerca deste ou de outro tema relacionado com o cumprimento penal e normativo por parte de pessoas coletivas e entidades equiparadas, bem como por parte dos respetivos órgãos sociais, contacte o departamento de Compliance da BROSETA PORTUGAL.

Flash normativo – Responsabilidade penal de gerentes e administradores

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